#Marcelle Thomazini
Recuperação Judicial do produtor rural é válida e norteia debates nos tribunais
*Por dra. Marcelle Thomazini
A recuperação judicial do produtor rural é um assunto que ainda divide opiniões, pois a Lei 11.101/2005 que trata de falência e recuperação judicial, não prevê tal mecanismo para produtores que atuam como pessoa física. Nessa linha de pensamento, alguns nem sabem que podem ter acesso ao instituto da recuperação judicial por estarem enquadrados como pessoa física. Acreditam, de maneira equivocada, que apenas grupos registrados como pessoa jurídica podem utilizar essa ferramenta jurídica.
No entanto, a interpretação da lei por magistrados que atuam em diferentes instâncias do judiciário brasileiro tem sido favorável aos produtores rurais em dificuldades financeiras que buscam a recuperação judicial como forma de evitar a falência, manter empregos e viabilizar a reestruturação para voltar a produzir e crescer. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o entendimento atual permite que o produtor rural pessoa física, ingresse com pedido de recuperação judicial, e sem exigir como condicionante sua inscrição com pelo menos dois anos de antecedência numa Junta Comercial, que é o registro público de empresas.
Em Mato Grosso, por exemplo, estado conhecido nacional e mundialmente por sua enorme e diversificada produção e exportação no setor agro, diversos grupos empresariais atuantes no segmento, e também produtores enquadrados como pessoa física têm buscado a Justiça com pedidos de recuperação judicial nos últimos anos.
E os motivos e fatores que levam o produtor a recorrer ao instituto da recuperação nem sempre estão sob seu controle, pois muitos vêm sofrendo com o aumento da inadimplência de clientes e queda no faturamento por causa da retração provocada pela crise econômica que o país tem enfrentado. Crise que será agravada drasticamente pela pandemia do novo Coronavírus.
Inclusive, é de Mato Grosso o caso que chegou ao Superior Tribunal de Justiça e teve o julgamento concluído no dia 5 de novembro de 2019. Os autores do processo: Resp nº 1800032 / MT são os megaempresários José Pupin e Vera Lúcia Camargo Pupin, que figuram entre os maiores produtores de algodão do Brasil, eles são donos do Grupo JPupin, conglomerado de empresas do agronegócio que buscou a recuperação judicial em agosto de 2015 declarando dívidas que superam R$ 1,3 bilhão.
No início de setembro daquele ano, o juiz André Barbosa Guanaes Simões, da 1ª Vara Cível de Campo Verde (MT) deferiu o processamento da recuperação judicial, no entanto, houve uma série de recursos interpostos por credores com decisões de teor diferente proferidas pelo Judiciário mato-grossense (1ª e 2ª instância), o que fez o caso subir para o STJ. Na Corte Superior, prevaleceu o entendimento, por três votos a dois, a favor do produtor rural que exerce atividade empresarial. Os ministros da 4ª Turma reconheceram que dívidas contraídas anteriormente à inscrição na junta comercial por um produtor rural, podem ser incluídas no processo de recuperação judicial.
No dia 23 de junho deste ano, o STJ voltou a julgar um recurso de embargos de declaração interposto pelo Banco do Brasil contra o acórdão da própria Corte Superior. Novamente, os ministros decidiram a favor do casal Pupin e rejeitaram, por unanimidade, os embargos confirmando o entendimento de que o produtor rural pode pedir recuperação judicial mesmo que não tenha registro na junta comercial por, no mínimo, dois anos. O acórdão foi publicado no dia 30 de junho.
A decisão favorável no Resp nº 1800032/MT representa um marco para o setor do agronegócio no Brasil, pois de acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2017 apenas 97,5 mil de um total de 5 milhões de produtores rurais no país possuíam CNPJ.
Apesar do entendimento do STJ, debates acerca do tema estão longe de serem encerrados. De um lado, o Código Civil permite que produtores rurais possam atuar como pessoa física ou empresa. Do outro, a Lei 11.101/2005 diz em seu texto que apenas produtores cadastrados em Junta Comercial, com no mínimo dois anos de atividade, devem ter acesso ao mecanismo da recuperação judicial.
Sobre esse impasse, está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei nº 6.303/2019 que muda o tempo de comprovação para recuperação judicial de produtores rurais, o objetivo da alteração é esclarecer, na Lei de Falência e de Recuperação de Empresas, que o prazo de dois anos é contado a partir do início da atividade. A medida visa facilitar e desburocratizar o acesso do produtor rural ao tratamento da recuperação judicial.
*Dra. Marcelle Thomazini Oliveira Portugal é advogada especialista em reestruturação de empresas, com atuação em todo o país e sócia do escritório Mestre Medeiros.
contato@mestremedeiros.com.br
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